domingo, 27 de setembro de 2015

Os demônios do Demônio - Eduardo Galeano

Este artigo de Eduardo Galeano nos traz a história de séculos passados. No entanto os mesmos grupos continuam sendo demonizados pelos que se entendem donos da decência, verdade,razão, direito de propriedade, seja ela de ter quanto de ser,nos dias atuais. O tempo passou as coisas mudaram, ou deveriam ter mudado, mas ainda assim encontramos as mesmas mazelas sociais. A culpabilização e a não aceitação do outro, do diferente, até por quem um dia já foi o diferente, e que, independente disso, esquecidos de sua história e passado, demonizam os que hoje percorrem, ou são, da mesma forma que eles eram. O artigo nos confronta com a realidade da continuidade de ações dos que hoje se encontram em situação de privilégio, mas fazem questão de não lembrar e de esconder sua antiga condição através de gestos hostis, com quem hoje segue os passos que eles mesmos percorreram em busca de uma oportunidade ou melhoria de condição de vida.Os que buscam a liberdade, a igualdade e contam com a fraternidade e compreensão. Eis o artigo: Publicado há 4 meses - em 21 de abril de 2015 » Atualizado às 8:35 Categoria » Em Pauta Muçulmanos, judeus, mulheres, homossexuais, índios, negros, estrangeiros e pobres: em ensaio de 2005, escritor discorre sobre as diferentes faces do Demônio, descritas pela antítese de cada um desses ‘anjos do mal’ por Eduardo Galeno publicado originalmente no site da revista Le Monde Diplomatique, Opera Mundi Esta é uma modesta contribuição à guerra do Bem contra o Mal. Entre os diversos semblantes do Príncipe das Trevas, só estão os demônios que existem há muito, muito tempo, e que há séculos ou milênios continuam ativos no mundo. O Demônio é mulçumano A experiência prova que a ameaça do inferno é sempre mais eficaz que a promessa do Céu. Benditos sejam os inimigos Dante já sabia que Maomé era terrorista. Por alguma razão o colocou em um dos círculos do inferno, condenado à pena de prisão perpétua. “O vi partido”, celebrou o poeta em A Divina Comédia , “desde a barba até a parte inferior do ventre…”. Mais de um Papa já tinham comprovado que as hordas muçulmanas, que atormentavam a Cristandade, não eram formadas por seres de carne e osso, eram um grande exército de demônios que aumentava quanto mais sofria com os golpes das lanças, das espadas e dos arcabuzes. Hoje em dia, os mísseis fabricam muito mais inimigos que os inimigos das entranhas. Porém, que seria de Deus, afinal de contas, sem inimigos? O medo impera, as guerras existem para desbaratar o medo. A experiência prova que a ameaça do inferno é sempre mais eficaz que a promessa do Céu. Benditos sejam os inimigos. Na Idade Média, cada vez que o trono tremia, por bancarrota ou fúria popular, os reis cristãos denunciavam o perigo muçulmano, desatavam o pânico, lançavam uma nova Cruzada, o santo remédio. Agora, há pouco tempo, George W. Bush foi reeleito presidente do planeta graças o oportuno aparecimento de Bin Laden, o grande Satã do reino, que as vésperas das eleições anunciou, pela televisão, que ia comer todas as crianças. Lá pelo ano de 1564, o especialista em demonologia Johann Wier teria contado os demônios que estavam trabalhando na terra, a tempo integral, a favor da perdição das almas cristãs. Eram sete milhões quatrocentos e nove mil cento e vinte sete, que agiam divididos em setenta e nove legiões. Muita água fervente passou, depois daquele censo, debaixo das pontes do inferno. Quantos são, hoje em dia, os enviados do reino das trevas? As artes do teatro dificultam as contas. Estes falsos continuam usando turbantes, para ocultar seus cornos, e longas túnicas tampam os rabos do dragão, suas asas de morcego e a bomba que carregam debaixo do braço. O Demônio é judeu A colossal carnificina organizada por Hitler culminou uma longa história de perseguição e humilhação Hitler não inventou nada. Há mil anos, os judeus são os imperdoáveis assassinos de Jesus e os culpados de todas as culpas. Como? Jesus era judeu? E judeus eram também os doze apóstolos e os quatro evangelistas? O que você disse? Não pode ser. As verdades reveladas estão além das dúvidas e não exigem mais evidências do que a própria existência. As coisas são como se diz que são, e se diz porque se sabe: nas sinagogas o Demônio dá aulas, e os judeus desde há muito se dedicam a profanar hóstias e a envenenar águas bentas. Por causa deles aconteceram bancarrotas econômicas, crises financeiras e derrotas dos militares; são eles que trouxeram a febre amarela e a peste negra e todas as outras pestes. A Inglaterra os expulsou, nenhum escapou, no ano de 1290, porém isso não impediu Chaucer, Marlowe e Shakespeare, que nunca tinham visto um judeu, fossem obedientes à caricatura tradicional e reproduzissem personagens judeus segundo o modelo satânico de parasita sanguessuga e o avaro usurário. Acusados de servir ao Maligno, estes malditos andaram durante séculos de expulsão em expulsão e de matança em matança. Depois da Inglaterra foram sucessivamente expulsos da França, Áustria, Espanha, Portugal e de numerosas cidades suíças, alemães e italianos. Os reis católicos Izabel e Fernando expulsaram os judeus e também os muçulmanos porque sujavam o sangue. Os judeus haviam vivido na Espanha durante treze séculos. Levaram com eles as chaves de suas casas. Há quem as guardem ainda. Nunca mais voltaram. A colossal carnificina organizada por Hitler culminou uma longa história de perseguição e humilhação. A caça aos judeus tem sido sempre um esporte europeu. Agora, os palestinos, que jamais a praticaram, pagam a culpa. O Demônio é mulher “Toda a bruxaria provém da luxúria carnal, que nas mulheres é insaciável” O livro Malleus Maleficarum, também chamado O martelo das bruxas, recomenda o mais ímpio exorcismo contra o demônio que tem seios e cabelos compridos. Dois inquisidores alemães, Heinrich Kramer e Jakob Sprenger, o escreveram, a pedido do Papa Inocêncio VIII, para enfrentar as conspirações demoníacas contra a Cristandade. Foi publicado pela primeira vez em 1486 e até o final do século XVIII foi o fundamento jurídico e teológico dos tribunais da Inquisição em vários países. Os autores afirmavam que as bruxas, do harém de Satanás, representavam as mulheres em estado natural: “Toda bruxaria provém da luxúria carnal, que nas mulheres é insaciável”. E demonstravam que “esses seres de aspecto belo, cujo contato é fétido e a companhia mortal” encantavam os homens e os atraíam com silvos de serpentes, rabos de escorpião, para aniquilá-los. Os autores advertiam aos incautos: “A mulher é mais amarga que a morte. É uma armadilha. Seu coração, uma rede; e correias, seus braços”. Esse tratado de criminologia, que enviou milhares de mulheres às fogueiras da Inquisição, aconselhava que todas as suspeitas de bruxaria fossem submetidas à tortura. Se confessassem, mereceriam o fogo. Se não confessassem também, porque só uma bruxa, fortalecida por seu amante, o Demônio, nos conciliábulos das bruxas, poderia resistir a semelhante suplício sem soltar a língua. O papa Honório III sentenciara que o sacerdócio era coisa de machos: – As mulheres não devem falar. Seus lábios têm o estigma de Eva, que provocou a perdição dos homens. Oito séculos depois, a Igreja Católica continua negando o púlpito às filhas de Eva. O mesmo pânico faz com que os mulçumanos fundamentalistas as mutilem o sexo e lhes cubram a cara. E o alívio pelo perigo conjurado leva os judeus mais ortodoxos a começar o dia sussurrando: “Graças, Senhor, por não me ter feito mulher”. O Demônio é homossexual Em nenhum lugar do mundo se levou em conta os muitos homossexuais condenados ao suplício ou a morte pelo delito de sê-lo Desde 1446, os homossexuais iam para a fogueira em Portugal. Desde 1497 eram queimados vivos na Espanha. O fogo era o destino merecido pelos filhos do inferno, que surgiam do fogo. Na América, ao contrário, os conquistadores preferiam jogá-los aos cachorros. Vasco Núnez de Balboa, que entregou muitos deles para a refeição dos cães, acreditava que a homossexualidade era contagiosa. Cinco séculos depois, ouvi o Arcebispo de Montevidéu dizer o mesmo. Quando os conquistadores apontaram no horizonte, só os astecas e os incas, em seus impérios teocráticos, castigavam a homossexualidade com a pena de morte. Os outros americanos a toleravam e em alguns lugares a celebravam, sem proibição ou castigo. Essa provocação insuportável devia desencadear a cólera divina. Do ponto de vista dos invasores, a varíola, o sarampo e a gripe, pestes desconhecidas que matavam índios como moscas, não vinham da Europa, mas sim do Céu. Assim, Deus castigava a libertinagem dos índios que praticavam a anormalidade com toda a naturalidade. Nem na Europa, nem na América, nem em nenhum lugar do mundo se levou em conta os muitos homossexuais condenados ao suplício ou a morte pelo delito de sê-lo. Nada sabemos dos longínquos tempos e pouco ou nada sabemos dos tempos de agora. Na Alemanha nazista, estes “degenerados culpados de aberrante delito contra a natureza” eram obrigados a exibir a estrela amarela. Quantos foram para os campos de concentração? Quantos lá morreram? Dez mil? Cinquenta mil? Nunca se soube. Ninguém os contou, quase ninguém os mencionou. Tampouco se soube quantos foram os ciganos exterminados. No dia 18 de setembro de 2002, o governo alemão e os bancos suíços resolveram “retificar a exclusão dos homossexuais entre as vítimas do Holocausto”. Levaram mais de meio século para corrigir essa omissão. A partir dessa data os homossexuais que tinham sobrevivido em Auschwitz e em outros campos, se é que ainda haja algum vivo, puderam reclamar uma indenização. O Demônio é índio Os conquistadores cumpriram a missão de devolver a Deus o ouro, a prata e outras várias riquezas que o Demônio havia usurpado Os conquistadores descobriram que Satã, quando expulso da Europa, tinha encontrado refúgio na América. Nas ilhas e nas praias do mar do Caribe, beijadas dia e noite por seus lábios flamejantes, habitadas por seres bestiais que andavam nus, tal como o Demônio os havia colocado no mundo, que cultuavam o sol, a terra, as montanhas, os mananciais e outros demônios disfarçados de deuses, que chamavam de jogo ao pecado carnal e o praticavam sem horário nem contrato, que ignoravam os dez mandamentos e os sete sacramentos e os sete pecados capitais, que não conheciam a palavra pecado nem temiam o inferno, que não sabiam ler nem tinham nunca ouvido falar do direito de propriedade, nem de nenhum direito e que, como se tudo isso fosse pouco, tinham o costume de comerem uns aos outros. E crus. A conquista da América foi uma longa e difícil tarefa de exorcismo. Tão arraigado estava o Demônio nestas terras, que quando parecia que os índios se ajoelhavam devotamente ante a Virgem, estavam na realidade adorando a serpente que ela amassava com o pé; e quando beijavam a Cruz não estavam reconhecendo ao Filho de Deus, mas estavam celebrando o encontro da chuva com a terra. Os conquistadores cumpriram a missão de devolver a Deus o ouro, a prata e outras várias riquezas que o Demônio havia usurpado. Não foi fácil recuperar o tesouro. Ainda bem que de vez em quando recebiam alguma pequena ajuda de lá de cima. Quando o dono do inferno preparou uma emboscada em um desfiladeiro, para impedir a passagem dos espanhóis em busca da prata de Cerro Rico de Potosi, um arcanjo baixou das alturas e lhe deu uma tremenda surra. O Demônio é negro Supunha-se que a leitura da Bíblia podia facilitar a viagem dos africanos do inferno para o paraíso, mas a Europa esqueceu de ensiná-los a ler Como a noite, como o pecado, o negro é inimigo da luz e da inocência. Em seu célebre livro de viagens, Marco Pólo fala dos habitantes de Zanzibar. “Tinham uma boca muito grande, lábios muito grossos e nariz como o de um macaco. Caminhavam nus, totalmente negros e para quem de qualquer outra região que os visse acreditaria que eram demônios”. Três séculos depois, na Espanha, Lúcifer, pintado de negro, trepado numa carroça em chamas, entrava nos pátios das comédias e nos palcos das feiras. Santa Tereza de Jesus, que viveu para combatê-lo, apesar disso nunca pode entendê-lo. Uma vez ficou ao lado e viu “um negrinho abominável”. Outra vez ela viu que do seu corpo negro saía uma chama vermelha, quando se sentou em cima de seu livro de orações e queimou os textos do ofício religioso. Uma breve história do intercâmbio entre África e Europa: durante os séculos XVI, XVII e XVIII, a África vendia escravos e comprava fuzis. Trocava trabalho pela violência. Os fuzis punham ordem no caos infernal e a escravidão iniciava o caminho da redenção. Antes de serem marcados com ferro quente, na cara e no peito, todos os negros recebiam uma boa unção de água benta. O batismo espantava o demônio e dava alma a esses corpos vazios. Depois, durante os séculos XIX e XX, a África entregava ouro, diamantes, cobre, marfim, borracha e café e recebia Bíblias.Trocava produtos por palavras. Supunha-se que a leitura da Bíblia podia facilitar a viagem dos africanos do inferno para o paraíso, mas a Europa esqueceu de ensiná-los a ler. O Demônio é estrangeiro O imigrante está disponível para ser acusado como responsável pelo desemprego, a queda do salário, a insegurança pública e outras temíveis desgraças O “culpômetro” indica que o imigrante vem roubar-nos o emprego e o “perigosímetro” acende a luz vermelha. Se for pobre, jovem e não for branco, o intruso, que veio de fora, está condenado, à primeira vista, por indigência, inclinação ao tumulto ou por ter aquela pele. De qualquer maneira, se não é pobre, nem jovem, nem escuro, deve ser mal recebido, porque chega disposto a trabalhar o dobro em troca da metade. O pânico diante da perda do emprego é um dos medos mais poderosos entre todos os medos que nos governam nestes tempos de medo. E o imigrante está sempre disponível para ser acusado como responsável pelo desemprego, a queda do salário, a insegurança pública e outras temíveis desgraças. Em outros tempos, a Europa distribuía para o mundo soldados, presos e camponeses mortos de fome. Estes protagonistas das aventuras coloniais passaram à história como agentes viajantes de Deus. Era a Civilização lançada nos braços da barbárie. Agora a viagem se faz na contramão. Os que chegam, ou tentam chegar do sul em direção ao norte, não trazem nenhuma faca entre os dentes nem fuzil no ombro. Vêm de países que foram oprimidos até a última gota de seu sugo e não têm a intenção de conquistar nada além de um trabalho ou trabalhinho. Esses protagonistas das desventuras parecem, muito mais, mensageiros do Demônio. É a barbárie que toma de assalto a Civilização. O Demônio é pobre Os bens de poucos sofrem a ameaça dos males de muitos Se lambem enquanto você come, espiam enquanto você dorme: os pobres espreitam. Em cada um se esconde um delinquente, talvez um terrorista. Os bens de poucos sofrem a ameaça dos males de muitos. Nada de novo. Tem sido assim desde quando os donos de tudo não conseguem dormir e os donos de nada não conseguem comer. Submetidas a um acossamento durante milhares de anos, as ilhas da decência estão encurraladas pelos turbulentos mares da vida desgraçada. Rugem as ondas sucessivas que forçam viver em sobressalto perpétuo. Nas cidades de nosso tempo, imensos cárceres que prendem os prisioneiros ao medo, as fortalezas dizem ser casas e as armaduras simulam ser trajes. Estado de sítio. Não se distraia, não baixe a guarda, desconfie: você está estatisticamente marcado, mais cedo ou mais tarde terá que sofrer algum assalto, sequestro, violação ou crime. Nos bairros malditos espreitam, ocultos, remoendo invejas, tragando rancores, os autores de sua próxima desgraça. São vagabundos, pobres diabos, bêbados, drogados, carne de cárcere ou bala, pessoas sem dentes, sem rumo e sem destino. Ninguém os aplaude, porém os ladrões de galinha fazem o que podem imitando, modestamente, os mestres que ensinam ao mundo as fórmulas do êxito. Ninguém os compreende, porém eles aspiram serem cidadãos exemplares, como esses heróis de nosso tempo que violam a terra, envenenam o ar e a água, estrangulam salários, assassinam empregos e sequestram países. Tags: demônio • Eduardo Galeano • Intolerâncias Correlatas

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Racismo

É a convicção de que existe uma relação entre as características físicas hereditárias, como a cor da pele, e determinados traços de caráter e inteligência ou manifestações culturais. A base, mal definida, do racismo é o conceito de raça pura aplicada aos homens, sendo praticamente impossível descobrir-lhe um objeto bem delimitado. Não se trata de uma teoria científica, mas de um conjunto de opiniões, além de tudo pouco coerentes, cuja principal função é alcançar a valorização, generalizada e definida, de diferenças biológicas entre os homens, reais ou imaginárias. O racismo subentende ou afirma claramente que existem raças puras, que estas são superiores às demais e que tal superioridade autoriza uma hegemonia política e histórica, pontos de vista contra os quais se levantam objeções consideráveis. Em primeiro lugar, quase todos os grupos humanos atuais são produto de mestiçagens. A constante evolução da espécie humana e o caráter sempre provisório de tais grupos tornam ilusória qualquer definição fundada em dados étnicos estáveis. Quando se aplica ao homem o conceito de pureza biológica, confunde-se quase sempre grupo biológico com grupo linguístico ou nacional. * Apesar de estarmos em pleno século XXI, ainda existem pessoas adeptas aos movimentos raciais (neonazismo, neofascismo, etc...) Postado por Gabriela Ayres, Jéssica Aline e Luana 2º A, Unilíder. Professor: Cristiano Amorim

Autoria:

Autoria: O Artigo abaixo foi retirado do Blog Blogueiras Negras. A importância e relevância desse assunto se dá no momento em que somos 50% da população brasileira e, no entanto, não nos enxergamos nas lojas, nos Shoppings, a não ser em trabalhos de higienização ou manutenção. Já existe uma boa parte da população negra com bom poder de compra. Precisamos, portanto, nos dar conta de que podemos mudar esse jogo. Não comprar na lojas que não empregam negros e negras. Lembrei de uma Campanha que o Movimento Negro Unificado (MNU) faz todos os anos perto da época de recebimento do 13º salário e do Natal: NÃO COMPRE EM LOJAS OU LOCAIS QUE NÃO EMPREGAM NEGROS (AS).

NÃO ME VEJO, NÃO COMPRO!

Black Friday, assim é chamada a primeira sexta-feira depois do dia de Ação de Graças nos Estados Unidos. Quando a preparação para as festividades natalinas se inicia, é lançada a mais popular campanha de ofertas dessa época. Preços baixos, descontos, promoções. O comércio brasileiro copiou esse modelo de vendas e passou a oferecer também o seu “Black Friday”, convocando clientes para um momento de vendas que beira uma catarse coletiva. Mas fica a pergunta, quão negra é essa sexta-feira? Aparentemente a publicidade brasileira ainda considera que o negro é mercadoria, não um consumidor em potencial. Desconsidera que pessoas negras preferimos quem nos representa. Ainda estamos num momento de completa invisibilidade, uma não representação que nos obriga ao boicote de marcas que até querem nosso dinheiro, mas não nos representam. Esse é o único caminho para que se entenda que nossa ausência em comerciais serve à naturalização do racismo na medida em que não somos mostrados exercendo as atividades mais cotidianas da vida, como usando um esmalte ou um produto eletrônico. Falando especificamente de mulheres negras, é como se não fossemos humanas o bastante para usar esmalte, uma calça jeans, um creme para a pele ou o mais simples dos produtos eletroeletrônicos. Tente se lembrar de uma propaganda em que sejamos mostradas consumindo um absorvente higiênico por exemplo. Quando somos mostradas, esse movimento se dá apenas para que a cota de 100% destinada a pessoas brancas não seja de todo evidente. Estamos falando da desumanização através de uma invisibilidade que nos grita aos olhos. Encontrei esse interessante artigo no blog Blogueiras Negras, que alerta para o fato de que ao entrarmos em uma loja, procuramos e compramos. Não pensamos em primeiro lugar se fomos atendidos por um(a) funcionário(a) negro(a). Não nos enxergamos nesses locais. E precisamos tomar uma atitude.Lembrei de uma chamada que o Movimento Negro Unificado (MNU) faz todos os anos: Não compre em lojas ou locais que não empreguem negros(as). Essa conscientização é essencial porque representamos mais de 50% da população. É necessário que unidos mostremos a importância de nos enxergarmos em todos os lugares. Eis o artigo: O apartheid publicitário à que nós pessoas negras somos submetidas denuncia também que não estamos à contento nas faculdades e nas agências de publicidade. Ano passado por exemplo, na carreira de Publicidade e Propaganda, não houve nenhuma pessoa negra entre aqueles que passaram no exame da Universidade de São Paulo. A desculpa sempre é a mesma – quem faz propaganda diz que estão apenas reproduzindo o retrato de uma sociedade que não é equânime, dando de ombros para o fato de que também tem uma grande, senão estratégica, responsabilidade na construção da mesma. Nós, Blogueiras Negras, fizemos o teste do pescoço e pesquisamos* algumas marcas para dizer: NÃO ME VEJO, NÃO COMPRO! Diremos não à uma diversidade que não se sustenta, que é prática apenas discurso no gogó de quem faz publicidade mas que ainda se dá ao luxo de fechar os olhos para o fato de sermos a maioria da população. Precisamos superar o modelo em que ainda somos uma presença exótica, onde se acentua ainda mais o racismo. Não adianta estampar uma menina negra se na estampa de sua blusa aparece uma princesa branca ou contratar apenas uma pequena porcentagem de modelos negras para dar uma falsa impressão de inclusão. Nossa aproximação para com o tema foi simples, como dissemos antes, fizemos um simples teste do pescoço. Escolhemos algumas marcas e contamos em suas fanpages (facebook) qual a proporção de mulheres negras eram representadas em relação ao números de mulheres brancas. Ficou evidente que algumas marcas, mesmo as que aparentam primar pela diversidade, não são tão diversas assim. Convocamos todas as pessoas negras a guardarem esses resultados em suas mente durante todo o ano e especialmente agora em que a famigerada Sexta-Feira Negra se aproxima. Grite conosco para os quatro ventos – NÃO ME VEJO, NÃO COMPRO!

terça-feira, 22 de setembro de 2015

O RACISMO INSTITUCIONAL NO COMBATE AO RACISMO

Jorge Terra 8 de novembro de 2014 Filed under: Uncategorized — jorgeterra @ 3:00 Tags: 10.639/2003, 11.645/2008. INSTITUIÇÕES, ações afirmativas,ANTIDISCRIMINAÇÃO, artigo 26-A, Brasil, Brazil, CIVILIZATÓRIO, CNJ,COMBATE, COMBATE AO RACISMO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, crime, criminal,CULTURA E HISTÓRIA NEGRA E INDÍGENA, desigualdade, discriminação,diversidade, diversity, EDUCAÇÃO, education, eficácia, eficiência, EFICIENTE,ESCOLAS, ESTATUTO DA IGUALDADE RACIAL, estrutura, injúria, institucional,instituições, INTENCIONALIDADE, jorge terra, juízes, LAESER, Law, LDB, LEI,lei penal, meios, mercado de trabalho, Movimento Negro, NEGRAS, negros,pardos, preconceito, prejudice, racism, racismo institucional, racismo institucional no combate ao racismo, rede afro-gaúcha de profissionais do direito, reforma do código penal, responsabilidade social corporativa,RESULTADOS, Roger Raupp Rios, SALÁRIOS, schools, SEPPIR O RACISMO INSTITUCIONAL NO COMBATE AO RACISMO O racismo pode ser combatido por meio de processos educacionais, por meio de ações afirmativas, por meio da aplicação de sanções, por meio de atos civilizados e civilizatórios vinculados aos exemplos pessoais ou institucionais, bem como pela constituição de estruturas voltadas ao trato dessa questão. É perceptível que, em solo pátrio, não estamos sendo eficazes no combate ao racismo, pois ele ainda é bem presente e, em certos momentos, afigura-se revigorado. Também não temos sido eficientes porque não utilizamos de forma sistêmica todos os meios dos quais dispomos. Nesse teatro, não é desarrazoado falar em um quadro de ineficiência e de ineficácia no combate ao racismo. Esse quadro está sustentado em dados atinentes à educação, ao mercado de trabalho, à inserção em espaços de poder, às condenações relativas aos crimes raciais e à segurança. Diante do que se tem visto, sem temer a pecha de ser considerado alarmista, pode-se consignar que se está vivenciando um cenário de racismo institucional no combate ao racismo. De bom alvitre destacar que se toma o racismo institucional como o desinteresse ou a desatenção com questão ou com necessidade que interessa a determinado grupo étnico, levando à ocorrência e à permanência da discriminação. Parte-se, por conseguinte, da superação da intencionalidade, tendo-se, como bem ensina Roger Raupp Rios1, como a gênese da discriminação a dinâmica social, o ambiente institucional e as organizações nas quais os indivíduos vivem. Sob essa ótica, o exame do preconceito e da discriminação racial não se calca no sentir e no agir individual, sobretudo em uma sociedade que não se admite racista e que ainda sustenta conformar uma democracia racial, mas nos padrões de conduta, nos posicionamentos e nas composições institucionais e nos resultados práticos para o grupo lesado. O racismo institucional é inimigo de mais difícil identificação, que necessita de assunção de compromissos institucionais e de afastamento de supostas e danosas neutralidades que são estigmatizadoras e impeditivas do avanço civilizatório. Nesse cenário, é tido como normal e não preocupante não se ter aplicado as normas extraíveis do artigo 26-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação embora seu texto originário date de 2.003 e sua alteração de 2.008. Segundo esse dispositivo legal, que tomo como a lei antirracista com maior possibilidade de gerar efeitos sociais concretos por atuar no campo da educação das crianças, as escolas públicas e privadas brasileiras, de ensino fundamental e médio, “em todas as disciplinas”, devem inserir as histórias e as culturas africana, afrobrasileira e indígena. Desconsiderando o caráter transformador da norma, pois ela visa à formação de uma sociedade baseada no conhecimento e não no preconceito, ultrapassando a questão educacional e configurando meio de prevenção e de combate às práticas racistas no corpo social, os Estados-membros e os Municípios não deram efetividade sistemática ao que determina a lei. A União, por sua vez, permite, ao não promover a alteração dos currículos das graduações, que profissionais saiam das Universidades sem o conhecimento necessário para ministrar disciplinas de forma adequada ao que determina a LDB. Falha, por conseguinte, do ponto de vista educacional, político e econômico, sobretudo porque, além disso, acaba repassando recursos com bem menor possibilidade de êxito, para que os já professores individualmente ou os demais entes federados em períodos de tempo inferiores ao da graduação, compareçam ou promovam eventos e cursos. Vê-se aí um importante meio de combate ao racismo, a educação, utilizado de forma ineficiente e gerando efeitos inferiores aos que legitimamente se poderia esperar. Outro meio de combate ao racismo seria a criação e o fortalecimento de estruturas governamentais de combate ao racismo. Todavia, temos como natural que, em um país com dimensões continentais, haja uma Secretaria com status, mas sem estrutura de Ministério e com poucos recursos orçamentários para tratar da igualdade racial no Brasil. O mesmo se repete nos Estados e Municípios brasileiros, indicando não haver vontade férrea de combater as consequências para negros e não negros de uma longa escravização. Aliás, tal vontade estatal poderia e deveria ser externada na composição das equipes governamentais, mas não é raro vê-las compostas exclusiva ou quase que exclusivamente por não negros. Discute-se de maneira intensa quando ocorrem práticas individuais de racismo, a necessidade de tais atos serem considerados como crime de racismo e não como o de injúria racial, de serem mais severas as penas e de trabalharmos essa questão no campo da educação. E não é incomum o agente não se admitir racista, considerar hipócritas os cidadãos que o criticam e dizer ter amigos ou até parentes pretos ou pardos. No que interessa nesse breve texto, é bom destacar que não trabalhamos adequadamente a questão educacional previamente ou depois de fatos que comovem parte significativa da sociedade. E mais. Há estudos do respeitado Laboratório de Análises Econômicas, Histórias, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais dando conta de que quase 70% das pessoas que respondem por crimes raciais restam absolvidas. Creio que ainda se há de considerar que sendo os crimes de racismo e de injúria previstos com pena mínima de um ano, está o Ministério Público obrigado a ofertar a possibilidade de suspensão condicional do processo, o que ampliaria o número de pessoas supostamente praticantes de tais atos e sem recebimento de sanção. A questão é que, tendo-se a lei penal como um instrumento de combate ao racismo e vendo-a como incapaz de gerar os efeitos aguardados, sabe-se que está a tramitar no Congresso Nacional projeto de lei, sob o silêncio do chamado Movimento Negro, que reproduz o ineficaz texto legal, pois mescla o atual Código Penal com a Lei Federal 7.716/89. O mencionado projeto é fruto de uma comissão de notáveis convocada pelo Congresso. Sem se examinar competências e qualificações individuais, mister anotar que ou não se teve acesso ao estudo do LAESER, demonstrador da ineficácia legislativa, ou com ele se chegou à interpretação que, respeitosamente é forçoso dizer, não levará à transformação que a Constituição Federal e os Tratados Internacionais impõem à nossa Pátria. Dessa arte, a questão, divorciada dos dados, parece ter sido considerada de somenos importância diante das outras que deveriam ser tratadas na novel legislação. No que concerne às ações afirmativas, oportuno consignar que as cotas raciais no meio acadêmico nasceram nas próprias Universidades, não decorrendo, com efeito, de iniciativa governamental. Ainda no campo da ação afirmativa, impositivo asseverar que convivemos bem com o fato de o Estatuto da Igualdade Racial, que é um marco regulatório, ser descumprido. Restrinjo-me, aqui, a dois pontos relevantes: a não regulamentação do artigo 39 e a violação do artigo 40 do diploma mencionado acima. Foi constituída comissão para apresentar à SEPPIR/PR sugestão de regulamentação no ano de 2.012. Desse grupo, embora o parágrafo terceiro do artigo supradito preveja a concessão de incentivos fiscais às entidades privadas que tenham programas, projetos e ações de igualdade racial no campo do trabalho, não constava nenhum membro do Ministério da Fazenda ou do Ministério do Planejamento. Como decorrência lógica, transcorrido prazo mais do que razoável, pois o Estatuto é de Julho de 2.010, não há entidade privada que financie projetos de cunho eminente racial, salvo o Fundo Baobá, e somados os salários de homens brancos e mulheres brancas e somados os salários de homens negros e mulheres negras em seis regiões metropolitanas brasileiras, o segundo grupo de pessoas, com as mesmas qualificações e funções, percebe a metade do que percebe o primeiro como demonstra trimestralmente o LAESER. À toda evidência, desperdiçamos um forte meio transformador: a lei. Essa, no caso específico, estimularia o emprego de outro meio de igual valor: a responsabilidade social corporativa. Outro ponto do Estatuto que se quer aqui abordar é o descumprimento solene do que determina o artigo 40. Está o Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo do Trabalhador obrigado a promover programas e ações, a financiar projetos e iniciativas pertinentes à igualdade racial no mercado de trabalho. Até o momento, nenhum centavo sequer foi endereçado ao que determina a lei e o que é pior, a leitura da ata da 117ª reunião ordinária do CODEFAT evidencia a intenção de não se dar efetividade à norma jurídica. O ápice é atingido quando o representante do BNDES sustenta que o Banco não tem a cor/raça como um critério para a concessão de financiamento. Ora, nada mais fez do que comprovar o descumprimento do Estatuto. Quanto à baixa inserção do negro nos espaços de poder, bastante é ler o Censo do Poder Judiciário brasileiro, realizado com coragem e espírito republicano pelo Conselho Nacional de Justiça. Dos cerca de 10.796 que responderam ao questionário que fora apresentado aos 16.812 Juízes brasileiros, 1% (107) se autodeclararam pretos e 14%(1.511) se autodeclararam pardos. Sabe-se que a diversidade interna torna a instituição mais competitiva e mais apta a compreender os desafios da sociedade e a construir soluções. Por conseguinte, alterar a composição do Judiciário pátrio é mais do que dar acesso a um grupo de pessoas, é conferir-lhe mais condições de atuar com justiça numa sociedade contaminada pelas desigualdades de diversas ordens. Numerosas vezes, parece que olvidamos de que o combate às desigualdades é um Objetivo Republicano estampado na Constituição Federal. Ademais, já passou da hora de darmos efetividade ao princípio e postulado da eficiência no campo da igualdade racial no Brasil, afastando-nos de atos simbólicos, de ritmos ditados por questões político-partidárias ou individuais, gerando-se um sistema capaz da consecução de resultados transformadores há muito aguardados por cidadãos negros e não negros. Jorge Terra Coordenador da Rede Afro-Gaúcha de Profissionais do Direito. 1RIOS, Roger Raupp, Direito da Antidiscriminação: discriminação direta, indireta e ações afirmativas, Livraria do Advogado Editora, Porto Alegre, 2008 Relacionado Racismo institucional, política de cotas e ações afirmativas em debate no MPPECom 3 comentários Análise do anteprojeto de reforma do Código Penal no que concerne aos crimes de injúria qualificada e de racismoEm "26-A" AUDIÊNCIA PÚBLICA “O QUE FAZER PARA REDUZIR AS BARREIRAS DE ACESSO À JUSTIÇA

sábado, 19 de setembro de 2015

Escravos farrapos

Meses finais da Guerra dos Farrapos. Madrugada de 14 de novembro de 1844. Tropas imperiais comandadas pelo coronel Francisco Pedro de Abreu (1811-1891), o Moringue, atacam soldados farroupilhas que estavam acampados nas imediações do Cerro de Porongos, no atual município de Pinheiro Machado, no estado do Rio Grande do Sul, resultando na morte e na prisão de muitos. Em sua maioria, eram lanceiros negros, escravos que lutavam no exército farroupilha em troca da promessa de alforria. Anos depois, a divulgação de um documento que ficaria conhecido como Carta de Porongos, revelando um suposto acordo entre lideranças militares para dizimar esses lanceiros, inicia uma controvérsia que gera polêmica até hoje.

A Guerra dos Farrapos, ou Revolução Farroupilha (1835-1845), foi o maior dos conflitos internos enfrentados pelo governo imperial. Durante dez anos, uma parcela da elite pecuarista rio-grandense, motivada por fatores políticos e econômicos, sustentou uma revolta contra o poder imperial, chegando a proclamar a República Rio-Grandense em 1836.

Para arregimentar soldados, os farroupilhas incorporaram escravos às suas fileiras, prometendo em troca a liberdade após o fim do conflito. De olho na alforria, alguns negros fugiram das propriedades onde eram mantidos escravos para aderir à luta. Outros foram cedidos por senhores de terra que apoiavam a revolução. Já senhores contrários ao movimento podiam ter seus escravos capturados à força, como aconteceu nas charqueadas – propriedades rurais onde se produz o charque (carne salgada) – de Pelotas.

Estima-se que em alguns momentos os lanceiros negros, como ficaram conhecidos estes soldados, tenham representado metade do exército rio-grandense. O africano José, de nação angola, foi um desses homens que sonharam em conquistar a liberdade pegando em armas. Em dezembro de 1837, José foi preso e interrogado pelas autoridades imperiais em Porto Alegre, informando que quase toda a “infantaria dos brancos” já havia desertado e que naquele momento os combatentes seriam quase exclusivamente “pretos, uns com armas e outros com lanças”. Estas eram as principais armas do conflito, já que as de fogo ficaram restritas a uma minoria. Além disso, pelo próprio caráter de guerra móvel, muitas vezes os lanceiros negros entravam nos batalhões sem maiores treinamentos.

No final da década de 1850, o político, charqueador e ex-líder farroupilha Domingos José de Almeida (1797-1859) denunciou publicamente o conteúdo da correspondência que teria sido enviada pelo então barão de Caxias (1803-1880) a Francisco Pedro de Abreu. A Carta de Porongos conteria evidências de um acordo prévio entre Caxias (comandante do Exército imperial no conflito) e o líder farroupilha Davi Canabarro (1796-1867). O objetivo seria favorecer a vitória imperial no combate do Cerro de Porongos. Em determinado trecho, Caxias informaria a Francisco Pedro o local, o dia e o horário para o ataque, garantindo-lhe que a infantaria farroupilha estaria desarmada pelos seus líderes.

A partir de então, o Combate de Porongos gerou uma acalorada controvérsia entre os historiadores e estudiosos que se debruçaram sobre o tema da Guerra dos Farrapos. Com base na Carta de Porongos, surgiram acusações de que o general Davi Canabarro – comandante do destacamento de negros – teria traído a causa farroupilha ao desarmar e facilitar a derrota dos lanceiros. Essa atitude teria como objetivo facilitar a assinatura do tratado de paz que vinha sendo negociado, já que o governo imperial era contra a ideia farroupilha de conceder a alforria aos escravos que lutaram como soldados. Por outro lado, negar a liberdade e mandar os lanceiros de volta às senzalas era algo não cogitado nem por alguns farroupilhas, devido ao temor de que um grande contingente de escravos militarizados, politizados e insatisfeitos com o não cumprimento da prometida alforria insuflasse levantes – a quantidade de escravos na província do Rio Grande do Sul em 1846, um ano após o término da Guerra dos Farrapos, correspondia a 20,9% da população.

Relatos da época, como o de Manuel Alves da Silva Caldeira, farroupilha presente em Porongos, afirmam que Canabarro teria sido avisado da aproximação de tropas inimigas e, mesmo assim, não teria tomado providência alguma. Pelo contrário, teria propositalmente desarmado e separado os lanceiros do resto das tropas acampadas perto do Cerro de Porongos. Dando crédito a estes argumentos, o episódio teria sido uma traição aos soldados negros.

A autenticidade da Carta de Porongos, no entanto, é questionada por alguns estudiosos, já que a versão que se tornou pública é uma cópia, e a original nunca foi encontrada. Uma das explicações é que o documento teria sido forjado pelo coronel Francisco Pedro de Abreu após o combate para desmoralizar Canabarro, único chefe farroupilha que ainda teria condições de reaglutinar as desgastadas forças rebeldes. Félix de Azambuja Rangel, subordinado ao coronel Francisco Pedro, afirma ter presenciado o momento em que seu comandante levou a carta para Caxias assinar e em seguida distribuir cópias entre os adversários. Por essa versão, os lanceiros negros não teriam sido traídos, e sim pegos de surpresa pelas tropas imperiais, assim como seus comandantes.

Parece haver consenso entre os pesquisadores de que os lanceiros foram atacados em condições extremamente desfavoráveis, com inferioridade de armamentos, e que acabaram eliminados em quantidade considerável.

Somente nos últimos anos a importância e a dimensão da participação negra neste conflito têm recebido maior atenção. Hoje é possível afirmar com segurança que negros, índios e mestiços desempenharam papel fundamental na Guerra dos Farrapos não somente como soldados, mas também trabalhando em diversos outros setores importantes da economia de guerra, como nas estâncias de gado, na fabricação de pólvora e nas plantações de fumo e erva-mate cultivadas pelos rebeldes.

Apesar das promessas, em nenhum momento a República Rio-Grandense libertou seus escravos. A questão da abolição era controversa entre seus líderes. Ao mesmo tempo em que o governo rebelde prometia liberdade aos escravos engajados e condenava a continuidade do tráfico de escravos, seu jornal oficial, O Povo, estampava anúncios de fugas de cativos. Houve uma tentativa de abolição por meio de projeto apresentado na Assembleia Constituinte de 1842 por José Mariano de Mattos (1801-1866), que foi recusado. Anos após o fim do conflito, vários líderes farroupilhas ainda tinham escravos, como Bento Gonçalves (1788-1847), que morreu deixando 53 cativos para seus herdeiros.

O destino dos lanceiros negros no fim do conflito também é tema controverso. As negociações de paz, que resultaram na assinatura do Tratado de Ponche Verde em 1845, definiram que os escravos ainda engajados deveriam ser entregues ao barão de Caxias e reconhecidos como livres pelo Império. Sabe-se que, juntamente com outro grupo feito prisioneiro em batalhas, foram enviados ainda em 1845 para o Rio de Janeiro na condição de libertos, como noticiaram o Jornal do Commercio e o Diário do Rio de Janeiro de 26 de agosto daquele ano. Se de fato receberam a liberdade ao chegarem a seu destino, não se tem certeza. O ex-farroupilha Manuel Caldeira levantou suspeitas de que tenham sido novamente escravizados e levados para a Fazenda de Santa Cruz, no Rio de Janeiro, agora como propriedade do Estado.

Alguns soldados negros podem ainda, ao longo do conflito, ter escapado para o Uruguai, formado quilombos ou mesmo buscado refúgio nas cidades, onde tentaram se passar por homens livres. Muitos permaneceram escravos no próprio Rio Grande do Sul. Um sobrinho-neto do general Antônio de Souza Netto (1801-1866) relata que, após a batalha de Porongos, uma parte dos lanceiros negros teria acompanhado seu antepassado farroupilha até sua propriedade no Uruguai, e que descendentes destes soldados viveriam até hoje nessa área rural conhecida como Estância “La Gloria”, na região de Paissandu.

Vinicius Pereira de Oliveira é autor de De Manoel Congo a Manoel de Paula: um africano ladino em terras meridionais (EST Edições, 2006); Cristian Jobi Salaini é autor da dissertação “Nossos heróis não morreram: um estudo antropológico sobre as formas de ‘ser negro’ e de ‘ser gaúcho’ no estado do Rio Grande do Sul” (UFRGS, 2006). 


Saiba Mais - Bibliografia

CARRION, Raul K. M. “Os lanceiros negros na Guerra dos Farrapos”. In: Ciências e Letras nº 37, jan. 2005. Porto Alegre: Faculdade Porto-Alegrense de Educação.

CARVALHO, Daniela Vallandro de; OLIVEIRA, Vinicius Pereira de. “Os lanceiros Francisco Cabinda, João Aleijado, preto Antônio e outros personagens negros na Guerra dos Farrapos”. In: SILVA, Gilberto F.; SANTOS, José A. dos (orgs). RS Negro: cartografias sobre a produção do conhecimento. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008.

FLORES, Moacyr. Negros na Revolução Farroupilha: traição em Porongos e farsa em Ponche Verde. Porto Alegre: EST Edições, 2004.

LEITMAN, Spencer. “Negros farrapos: hipocrisia racial no sul do Brasil”. In: DACANAL, José Hildebrando. (org.). A Revolução Farroupilha: história e interpretação. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985.

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Congresso Internacional de Promoção de Igualdade Racial

O Conselheiro Carlos do COMUNE participou do Congresso Internacional de Promoção da Igualdade Racial, em Porto Alegre, nos dias 5 e 6 de setembro. A Prefeitura de Caxias do Sul se fez presente através da Coordenadoria de Promoção da Igualdade Racial (CIRACIAL) que faz parte da Secretaria de Segurança Pública e Proteção Social (SSPPS). A organização do Congresso foi realizada pelo Grupo Face de Ébano. O conselheiro Carlos Rodrigues representante da Secretaria de Esporte e Lazer (SMEL), no Conselho Municipal da Comunidade Negra (COMUNE) nos representou no evento. Obrigado Carlos, trabalhando juntos conseguiremos fazer a luta pelos direitos da população negra.

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Câncer de colo do útero é um dos mais frequentes

A ocorrência do HPV (Papiloma Vírus Humano) em mulheres é tratada com maior cautela devido à evolução para o câncer. De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (Inca), o câncer de colo do útero é o quarto mais frequente e o terceiro tumor mais recorrente na população feminina, atrás apenas dos de mama e colorretal, sendo responsável pelo óbito de 265 mil mulheres por ano. Aproximadamente 530 mil novos casos são registrados anualmente no mundo. Em 2014, também de acordo com o Inca, 15.590 foram registrados no País. 

Para a prevenção, existem as vacinas quadrivalente, que confere proteção contra HPV 6, 11, 16 e 18, e bivalente, que confere proteção contra HPV 16 e 18. Existem 40 tipos de HPV que podem infectar o trato ano-genital. Pelo menos 13 deles são considerados oncogênicos, ou seja, podem apresentar maior risco ou probabilidade de provocar infecções persistentes. No total, existem mais de 100 tipos do vírus. Os tipos 16 e 18 estão associados a 70% dos casos de câncer de colo do útero. Já os HPV 6 e 11, encontrados em 90% dos condilomas genitais e papilomas laríngeos, são considerados não oncogênicos.

O câncer de colo do útero, também conhecido como câncer cervical, é provocado pela infecção persistente por alguns tipos do HPV. A infecção genital pelo vírus é bastante frequente, embora não cause a doença, na maioria das vezes. Em alguns casos, porém, alterações celulares podem ocorrer, de modo a evoluir para o câncer. O Papanicolau, exame preventivo realizado por ginecologistas, detecta tais alterações.

Jornal do Comércio



Proporção de casos de AIDS

Proporção de casos de AIDS notificados no Sinan por raça/cor e ano de diagnóstico. Brasil, 2002 a 2011
As notificações com relação à raça/cor, excluídos 8,3% de casos com campo ignorado, 49,7% dos casos notificados no Sinan no ano de 2011 são em brancos, 10,7% em pretos, 0,5% em amarelos, 38,8% em pardos e 0,3% em indígenas.
Segundo os sexos, excluídos 8% de casos com campo ignorado, no ano de 2011, 50,6% dos casos notificados entre os homens são em brancos, 9,8% em pretos, 0,5% em amarelos, 38,7% em pardos e 0,3% em indígenas.
Entre as mulheres, excluídos 8,9% de casos com campo ignorado, 47,9% dos casos são em brancas, 12,3% em pretas, 0,5% em amarelas, 39% em pardas e 0,3% em indígenas. Nos últimos 10 anos, observa-se uma diminuição de cerca de 18% na proporção de casos de AIDS na raça/cor branca, de 12% na amarela e 6,6% na preta, sendo que na raça/cor parda e indígena observa-se aumento de 42% e 60%, respectivamente.
Fonte: MS/SVS/Departamento de DST, AIDS e Hepatites Virais.

Nota: Casos notificados no Sinan até 30/06/2012.